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Fotografia: Júlia Aldenucci
A Folclórica
Coleção 2018
Afinal de contas, o que é o Brasil ? Qual é sua origem e quem fundou as raízes de nossa cultura ? A resposta para essa pergunta é, além de complexa, polêmica. Por ora, podemos dizer que a visão eurocêntrica de que a história do país se inicia em 22 de abril de 1500 é, no mínimo, equivocada.
Mas se não os portugueses, quem seriam os verdadeiros "descobridores" do Brasil ? Ora, a essa altura você pode estar pensando nos povos indígenas, que afinal de contas, habitavam nossas terras muito antes da chegada dos europeus. Todavia, alguns folcloristas e antropólogos que estudaram e estudam com seriedade o assunto, defendem relatos de que seres encantados precedem a própria cultura como a conhecemos. Mas afinal, quem nasceu primeiro: o homem ou suas lendas ? Quem as criou ?
E será que elas existem de fato ?
É evidente e plausível que muitos refutem tais histórias por não as terem vivenciado uma vez sequer na vida. Mesmo aqueles com conhecidos que juram ter experienciado um encontro inusitado com uma criatura folclórica, insistem na máxima popular de que “só acreditam vendo”.
De fato, ninguém é obrigado a crer nem cabe a nós impôr uma opinião. Nossa missão ao contar histórias é abrir um leque de informações sobre nós mesmos que acabamos desconhecendo ou negligenciando enquanto sociedade. E aí fica uma provocação: a quais culturas seus bens de consumo fazem referência ?
No Brasil, sobretudo em cenários urbanos, muitas pessoas reconhecem fantasmas, fadas, deuses, demônios, extraterrestres, objetos voadores e outras entidades amplamente divulgadas em livros, filmes, revistas e programas de televisão. Entretanto, poucas são aquelas que conseguem resgatar uma quantidade razoável de criaturas originárias do folclore brasileiro. Quando o fazem, recorrem quase sempre às oralidades familiares dos tempos de infância ou ao universo lúdico de Monteiro Lobato - referências totalmente válidas mas que representam apenas uma parte pequena do nosso folclore.
A coleção “A Folclórica” nasce da percepção de que o Brasil ainda explora muito pouco o vasto repertório cultural que tem. Seu objetivo principal é instigar, em cada um, a curiosidade pelo conhecimento popular, tão disperso na efervescência do mundo contemporâneo.
Nota: as histórias a seguir reproduzem, em grande parte, uma narrativa hegemônica, predominante no senso comum e que podem vir a ser contestadas. Entendemos que diferentes narrativas podem e devem coexistir, sem que se faça necessário um julgamento de qual é mais ou menos válida. Vivemos em um país de dimensões continentais, marcado pela pluralidade e pela miscigenação, não sendo possível falar em um único povo, mas em povos, com percepções distintas sobre um mesmo fato histórico. Com isso, reforçamos nossa intenção em provocar o interesse pela busca do conhecimento e nunca engessá-lo a partir de uma perspectiva singular.

Festa Popular
Não somente futebol, nem tampouco carnaval
A cultura brasileira é patrimônio universal
Seja procissão de Umbanda ou Círio de Nazaré,
O povo às ruas debanda, independente da fé
Boi-bumbá, em Parintins é um festival contagioso
Uns torcem por Garantido, outros são de Caprichoso
Já para ver a Cavalhada, não precisa hora marcada
não se cobra pela entrada, nem documento, nem nada.
É que as festas movem massas, lotam bares ,
tomam praças
E é comum dobrar a esquina se a fila é de Festa Junina
Se Janeiro for seu mês, visite a Folia de Reis
Mas se Agosto é o planejado, vá na Festa do Congado
Reza a lenda que o forró traduz-se do inglês “for all”
Quero ver gringo dançando feito nós, baixo de sol.
Mas se quer dançar tranquilo, na sombra de um cajuzeiro,
vá pra terra de Padre Cícero, no forró de Juazeiro.
Viva a orquestra de rabeca, o cordel e a xilografia
Viva o povo brasileiro em toda a sua geografia !

Açaí
Ao ver seu povo com fome e sem ter o que comer,
cacique ordenou a morte de quem viesse a nascer.
Iaçã que, há bom tempo sabia
que tão logo a luz daria,
aquilo achou covardia…
mas que podia fazer...?
E então, cumprindo a promessa,
vieram os índios depressa,
tomaram a filha de Iaçã,
que aos prantos clamou por Tupã:
“Peço a ti a solução contra essa amarga medida,
faz do chão brotar a vida que de mim se foi, em vão.”
Já passados muitos dias, ela então sem esperança,
viu nos pés de uma palmeira a imagem de sua criança.
Foi correndo em largos passos para contê-la em mil abraços, mas bastou tê-la em seus braços que em pedaços se desfez.
De repente, em euforia, lhe ocorreu
que a profecia haveria de vingar.
E notou com muito espanto que nascia em
cada canto, encanto de cor ímpar.
Esse encanto era um fruto que na mata se espalhava
toda a tribo se fartava até que a fome se desfez.
Tendo nome de açaí, do tupi: “fruto que chora”
Mas me disse a Caipora, que é de “Iaçã” ao revés.

Guaraná
O povo de Munducurucânia é feito de gente aguerrida
que vence qualquer combate, que sabe viver a vida.
Lá a pesca era mais farta, a terra bem mais garrida
Todo fruto era colhido da semente ali nutrida.
Mas houve um certo menino, chamado de Aguiry
que por ser muito querido fez raiva em Jurupari
Era um jovem generoso, inteligente e faceiro
e ao que tudo indicava, seria um nobre guerreiro
Por isso, numa tarde de colheita,
Jurupari fez-se cobra e colocou-se na espreita
Esperou por um momento de evidente distração
e atacou a sua presa sem ter dó nem compaixão
Tão logo caiu a noite, resolveram investigar
por qual razão o menino tardava em retornar
Acharam-no já sem vida, atirado pelo chão
e ouviram dizer Tupã, no ruído de um trovão:
"Dele plantem os seus olhos
e com lágrimas os reguem
e verão brotar o fruto
contra os males que lhes perseguem"
E depois de quatro noites, começou a germinar
O que hoje conhecemos pelo nome guaraná

Guardiões da mata
Que fazes aqui, perdido na mata ?
És um plutocrata, um pirata do mar ?
Vieste explorar o que ainda nos resta ?
A nossa floresta mandou perguntar.
Quem é que te indica ? Qual é teu intuito ?
Encontro fortuito ou de má intenção ?
A que se dedica ? Que males pratica ?
A selva suplica tua explicação.
Não penses que o mal pode sair impune
ninguém é imune à nossa resposta
Somos guardiões vigilantes à postos,
eis nossa proposta pelo que nos une:
Protege tua fauna assim como tua flora
contenha-te agora, não queira ter mais
Descumpra esse trato e a Caipora, no ato
Engole o contrato e devora tua paz.
"Guardiões da mata" é o primeiro lançamento da coleção e retrata, como o nome sugere, algumas das figuras escondidas pelas florestas do Brasil. Ainda que sejam notáveis os esforços dos estudiosos pela coleta de dados que delimitem a estética desses seres, não é possível apontar de maneira certeira as suas representações e origens pois elas se modificam com o olhar de cada região e observador. Ilustramos nossa interpretação imagética desses personagens com base em relatos colhidos por folcloristas e entusiastas do saber popular.

Mistérios dos rios
Incontáveis são os contos contados por essas terras
Ganha um conto quem bem conte um conto que não vem delas
Pois o mais bravo dos homens se desmancha em calafrios
só de ouvir falar dos monstros que vêm do fundo dos rios
Qualquer coração dispara quando vê-se o Iupiara
feição que não se compara, feita para amedrontar
Já os botos se transformam, tomando forma de homem
Engravidam depois somem, deixando pra mãe criar.
Quando fores mergulhar, portanto, vá sempre atento
Descuide a qualquer momento e sua vida pode afundar.

No gorro do saci
Veio num redemoinho, bolando uma travessura
Um saci bem miudinho, de baixíssima estatura
Apertou a campainha da vizinha em distração
Espalhou toda a farinha da cozinha pelo chão
Divertiu-se como pôde, tirou tudo da tomada,
Atacou a feijoada e saiu na contramão
Foi correndo esbaforido, com o latido do cachorro
Que correu em seu sentido e, sabido, tomou-lhe o gorro.
Nesse gorro havia tudo, de agulha a cadeado
O saci roubava mudo e se mandava calado
todo homem já sofreu com a arte desse guri e
se uma coisa está perdida, foi pro gorro de um saci.
Pode ser em terra ou mesmo debaixo d'água, mas uma coisa é certa: folclore não é exclusividade da zona rural.
"No gorro do saci" é uma forma bem humorada de provocar a reflexão de que folclore é cultura viva e está presente no cotidiano dos grandes centros urbanos.
Crescemos ouvindo, por exemplo, que o saci adora sumir com os dedais das costureiras. Ao mesmo tempo, rotineiramente, damos falta de um ou outro objeto, sem desconfiar na obra do menino travesso. Quem mais poderia embolar fios com tanta destreza ? Como se explica o sumiço de tantas pilhas, grampos e tampas de caneta ao longo de nossas vidas ?
Essa estampa reúne uma série de elementos que figuram por entre o universo complexo e misterioso dos sacis. Portanto, na próxima vez que perder alguma coisa, já sabe onde procurar: veja no gorro de um saci.